Muitos indivíduos encontram na internet, inclusive nas redes sociais, o espaço ideal para manifestarem-se agressivamente, pregando o ódio e a intolerância. Isso ocorre precipuamente devido à impressão de que o cyber espaço é uma “terra de ninguém”, onde é possível compartilhar qualquer tipo de conteúdo, mesmo que discriminatório, falacioso ou intolerante, sem qualquer responsabilização. É nesse contexto que surge o discurso de ódio online.
O hate speech, como é conhecido internacionalmente, não possui uma definição formal no ordenamento jurídico brasileiro, isto é, não há lei dedicada especificamente à sua definição, tampouco à sua regulação. Todavia, o Comitê de Ministros do Conselho da União Europeia já o definiu como “qualquer forma de expressão que espalha, incita, promove ou justifica ódio racial, xenofobia, anti-semitismo ou quaisquer outras formas de ódio baseado na intolerância, incluindo: intolerância causada por nacionalismo agressivo e etnocentrismo, discriminação e hostilidade contra minorias, migrantes e pessoas de origem estrangeira.”¹
Nesse sentido, esse tipo de discurso engloba conteúdos que já estão previstos na lei como ilícitos, como os de caráter de incitação e apologia a crime (arts. 286 e 287 do Código Penal), bem como de caráter discriminatório, sendo crime previsto no art. 20 da Lei n.º 7.716/1989 praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Além disso, na esfera cível, o incitamento ao ódio viola diretamente direitos de personalidade de suas vítimas, como, por exemplo, a imagem e a honra, que são derivados da dignidade da pessoa humana², sendo indubitável a sua proteção. Sendo assim, fica evidente que esse discurso não está protegido pela liberdade de expressão.
Contudo, também é necessário considerar que, devido à amplitude do significado de discurso de ódio, há o aumento da insegurança acerca do que deve ou não ser englobado no seu escopo, dando, assim, margem à censura, por meio da remoção de conteúdos não abusivos e protegidos pela liberdade de expressão. Dessa forma, importa destacar que a liberdade de expressão e a vedação à censura são essenciais para uma sociedade democrática livre.
O contraste entre a liberdade de expressão e o hate speech é justamente o que torna o presente tema tão delicado, sendo ainda potencializada a sua problemática quando ocorre no ambiente virtual, onde a aplicação da lei é dificultada. Foi objetivando solucionar essa questão que o legislador brasileiro dispôs no art. 19 do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) a possibilidade de exigir que as plataformas como o Instagram, Facebook e Twitter sejam obrigadas a tornar indisponível o conteúdo gerado por terceiros que for considerado por um juiz como infringente à lei, sob pena de serem responsabilizadas civilmente por danos decorrentes do conteúdo abusivo.
Todavia, nesse cenário cabe a seguinte reflexão: até que um juiz analise se determinado conteúdo é ou não ilícito, tal conteúdo pode já ter atingido milhares de pessoas ao redor do mundo, diante da rapidez de visualizações e compartilhamentos na internet. Nesse cenário, a posterior conclusão de que de fato se tratava de discurso de ódio e posterior retirada do conteúdo da rede seria ineficaz diante dos danos já concretizados.
Assim, é possível concluir que (i) o discurso de ódio não está protegido pela liberdade de expressão; e, consequentemente, (ii) a remoção de postagens com esse conteúdo das redes sociais não é censura. Ademais, não há como ignorar a possibilidade de utilização do discurso de ódio como fundamento para limitação ilícita da liberdade de expressão, motivo pelo qual o legislador brasileiro optou por, quando do conflito entre a liberdade de expressão e outros direitos, dar preferência à liberdade de expressão.
No entanto, considerando a gravidade dos direitos violados pelo hate speech, emerge o questionamento sobre se atualmente a lei está sendo efetivamente aplicada no ambiente digital e se, em razão da demora da análise do teor do conteúdo postado online, as vítimas do discurso de ódio estão sendo amparadas adequadamente pelo Poder Judiciário. Portanto, este texto é um convite para refletirmos sobre o assunto e entendermos a importância de garantirmos que todos possam, sem qualquer receio, desenvolver a sua personalidade e expor a sua origem étnica ou racial, orientação sexual, religião, opinião política, estado de saúde, etc. sem sofrer represálias.
¹ UNIÃO EUROPEIA. Recommendation No. R (97) 20 of the Committee of Ministers to Member States on “Hate Speech”. 1997. Último acesso em: 11.07.2021. Disponível em: <https://search.coe.int/cm/Pages/result_details.aspx?ObjectID=0900001680505d5b>.
² ODY, Lisiane Feiten Wingert. Biografias: os direitos de personalidade e o direito às liberdades artística, de expressão e de informação nos sistemas jurídicos alemão e brasileiro. Revista da Escola da Magistratura do TRF da 4ª Região n. 16. 2020, p. 286.
Escrito por Gabriela Pochmann - Associada da Área de Marketing.
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