Em abril de 2018 Mark Zuckerberg trocou seus costumeiros jeans e camiseta por um terno para comparecer ao Congresso dos Estados Unidos e prestar depoimento sobre a privacidade dos 2,2 bilhões de usuários do Facebook. O episódio ocorreu devido a um escândalo revelado em março deste mesmo ano: a consultoria britânica Cambridge Analytica obteve ilegalmente dados de cerca de 50 milhões de usuários do Facebook que teriam sido decisivos para o rumo da política internacional.
Através de um teste de personalidade aparentemente inofensivo disponibilizado gratuitamente na rede social em 2014, era possível traçar o perfil dos participantes a partir de informações como páginas curtidas e postagens realizadas na plataforma. Entretanto, o teste obtinha dados não só de quem preenchia o questionário e aceitava as condições de uso, mas de toda a rede de contato dos participantes.
Essas informações foram utilizadas pela Cambridge Analytica para traçar perfis psicológicos dos usuários, criando um mecanismo que permitia entender seus comportamentos e oferecer a eles propagandas políticas com mais chances de êxito. As publicidades foram distribuídas no Facebook em forma de anúncios patrocinados no feed.
De acordo com o ex-funcionário da empresa Christopher Wylie, esses dados foram utilizados para a criação de uma propaganda política personalizada que teve um papel fundamental na eleição de Donald Trump em 2016 e no resultado do Brexit, plebiscito de 2017 que levou o Reino Unido a sair da União Europeia.
O caso polêmico abriu espaço para uma discussão imprescindível para a Era da Informação: quanto de nossos dados são coletados na internet? E mais importante, o que é feito com eles?
Atualmente, toda ação que tomamos on-line é automaticamente coletada e transformada em informação. Através dos algoritmos, nosso comportamento na internet é analisado e somos conhecidos tanto a nível individual quanto a nível consumidor. Nossos dados pessoais tornaram-se mais um produto comprado e vendido.
No documentário da Netflix “Privacidade Hackeada”, Brittany Kaiser, a ex diretora de desenvolvimento de negócios da Cambridge Analytica, afirma que “a razão pela qual a Google e o Facebook são as empresas mais poderosas do mundo se deve ao fato de que os dados superaram o valor do petróleo. É o bem mais valioso da terra”.
Ao navegar na internet, cada vez que entramos em uma página da web é baixada automaticamente uma série de microprogramas conhecidos como cookies que são salvos no computador dos usuários e armazenam informações sobre o nosso comportamento on-line, como o histórico de navegação, número do dispositivo e dados fornecidos em cadastros, por exemplo. Com base nisso, os endereços online podem personalizar anúncios e destaques a serem exibidos. Além disso, é comum que diferentes empresas paguem ao site que visitamos para poder instalar seus próprios cookies, como também é habitual que a empresa use os dados não somente para seus estudos internos, mas que também os venda a terceiros.
Nas redes sociais como o Facebook, cada interação com pessoas e informações fica registrada. Essas interações permitem à ferramenta traçar um perfil detalhado a nosso respeito, revelando inclinações políticas, orientação sexual, origem étnica, convicções religiosas, entre outros. Google, Apple, Amazon, Netflix e Mercado Livre também seguem essa lógica. Os rastros digitais de cada consumidor rendem estatísticas e estas são utilizadas para o desenvolvimento de estratégias empresariais, sempre focadas no aumento do lucro.
Assim, estas plataformas, além de desenvolver um perfil único individualmente programado para que o usuário permaneça conectado por mais tempo, elas traçam o perfil de consumidor de cada indivíduo, desenvolvendo perfis sociais para agências de publicidade. Dessa forma, marcas podem pagar para que o anúncio esteja visível a um estrato específico do público, com maiores chances de venda. Este tipo de publicidade segmentada é um dos principais responsáveis pelo enorme ganho de capital das gigantes da tecnologia.
No campo da política, a situação é ainda mais preocupante. Como visto no caso da Cambridge Analytica, empresas podem mapear as ideologias de diferentes grupos sociais e identificar a audiência mais suscetível a notícias falsas sobre determinado partido, candidato ou campanha política. As consequências desse fenômeno já podem ser identificadas no contexto nacional e internacional: a manipulação da opinião pública, a polarização, os discursos de ódio e as fake new são elementos que passaram a ser uma ameaça à democracia.
A problemática acerca do uso indiscriminado dos dados pessoais não passou despercebida pelas organizações governamentais brasileiras. Em 14 de agosto de 2018, foi sancionada a Lei n. 13.709/2018, conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). A lei, que passou a vigorar em 18 de setembro de 2020, dispõe sobre o tratamento dos dados pessoais e regulamenta os princípios que disciplinam a proteção de dados pessoais, as bases legais aptas para justificar o tratamento de dados e a fiscalização e a responsabilização dos envolvidos no tratamento de dados pessoais. Desse modo, diante do uso exponencial da utilização dos dados pessoais e dos perigos que esse fenômeno apresenta, a LGPD inaugura uma nova cultura de privacidade e proteção de dados no Brasil, o que demanda a conscientização de toda a sociedade acerca da importância dos dados pessoais e os seus reflexos em direitos fundamentais, como o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural, a privacidade e a liberdade.
Escrito por Luísa Citro - Associada da Área de Marketing
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